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   © Weberson Santiago/Veja

Imagine que você é parado em uma blitz. Um policial pede o seu RG, checa um celular e imediatamente sabe tudo sobre você, não apenas a placa do seu carro, mas sua altura, tipo sanguínio, filiação política, religião, com quem anda, se socializa com vizinhos.

Assustador, mas a realidade de cerca de 13 milhões de chineses, onde um sistema de vigilância em massa do governo monitora uma minoria étnica muçulmana que vive no oeste do país, na região de Xinjiang.

A Plataforma Integrada de Operações Conjuntas, um aplicativo da polícia, conectado a um sistema de vigilância de Xinjiang, compila uma quantidade enorme de informação sobre as pessoas, inclusive localização em tempo real, e segue seus movimento, rastreando telefones, veículos, identidades. Depois identifica as que representam potencial ameça. Com base em critérios questionáveis, como viagens ao exterior, o sistema gera listas de pessoas para possível detenção. Cerca de um milhão de muçulmanos estão arbitrariamente detidos em campos de “educação política” em Xinjiang e neles ficam até que sejam considerados leais ao partido comunista.

Sob a liderança de Xi Jinping, o governo chinês também aumentou esforços para coletar DNA, amostras de sangue, leitura de íris e outras informações biométricas de milhões de pessoas. Câmeras de reconhecimento facial alimentadas por Inteligência Artificial instaladas em todo o país, aumentaram o controle social, a discriminação racial, resultando em sérias violações dos direitos à privacidade, liberdade de expressão, associação e religião.

Algumas tecnologias têm sido exportadas e embora não sejam as únicas disponíveis, o governo chinês tem feito empréstimos que as tornam mais acessíveis. Isso aumenta o perigo da vigilância em massa e seu direcionamento altamente invasivo às minorias, especialmente em contextos repressivos e autoritários.

No início do ano, parlamentares do partido do presidente Jair Bolsonaro visitaram a China para aprender sobre tecnologias de vigilância. Após seu retorno, disseram que apresentariam um projeto de lei para obrigar a instalação de câmeras de reconhecimento facial em todos os locais públicos para ajudar as forças de segurança pública a “combater o crime e prender suspeitos”.

Uma vez que a tecnologia abre espaço para abusos, a proposta deveria conter justificativa detalhada dos seus propósitos para segurança pública e nacional. Não há motivo para implantação de um sistema como esse, a não ser que seja demonstrada a possibilidade de garantir o devido processo e mecanismos para proteger a privacidade contra interferência desnecessária e desproporcional do estado.

O uso do reconhecimento facial levanta sérias dúvidas sobre sua confiabilidade e potencial para discriminação. Estudos independentes indicam que esses sistemas podem ampliar preconceitos raciais, étnicos e de gênero existentes. No Brasil, pode afetar desproporcionalmente homens jovens, negros, com baixa escolaridade, que já estão sobrerepresentados no sistema de justiça criminal.

As práticas abusivas da China mostram os riscos de implementar sistemas de vigilância em massa sem garantir a transparência, accountability e outras garantias. O Brasil não deveria seguir esse caminho. O uso de tecnologia de reconhecimento facial deveria ser amplamente discutida no Congresso e na sociedade como um todo e implementada somente com controles claros e contundentes para prevenir e punir abusos.

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