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Brasil: Bolsonaro bloqueia críticos em redes sociais

O presidente viola liberdade de expressão e direito à acesso à informação

O Presidente Jair Bolsonaro usa seu celular durante evento no palácio da Alvorada em Brasília em 13 de junho de 2019. © André Coelho/Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro está bloqueando seguidores que o criticam nas redes sociais, violando a liberdade de expressão e os direitos de acesso à informação e de participar do debate público, disse hoje a Human Rights Watch.

A Human Rights Watch identificou 176 contas bloqueadas, a grande maioria no Twitter, incluindo de jornalistas, congressistas, influenciadores com mais de um milhão de seguidores, e cidadãos com apenas alguns. Além disso, identificamos o bloqueio de contas de veículos de imprensa e de organizações não governamentais. O número total de bloqueios é provavelmente muito maior.

“O presidente Bolsonaro usa suas redes sociais como um importante meio de comunicação pública e de interação com a população”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Mas ele está tentando eliminar de suas contas pessoas e instituições que dele discordam para transformá-las em espaços onde apenas aplausos são permitidos. É parte de um esforço mais amplo para silenciar ou marginalizar os críticos”.

Pessoas bloqueadas precisam sair de suas contas nas redes sociais para ver as postagens do presidente Bolsonaro, dificultando o acesso direto a informações do governo. Elas não podem interagir com as publicações do presidente, seja repostando, respondendo, curtindo ou comentando. Isso impede que pessoas bloqueadas participem do debate público, viola a liberdade de expressão e as discrimina com base em suas opiniões, disse a Human Rights Watch. Jornalistas bloqueados não podem fazer perguntas ou solicitar informações, infringindo a liberdade de imprensa.

A Human Rights Watch, por meio de pedidos de acesso à informação, solicitou o número de pessoas bloqueadas pelo presidente Bolsonaro no Twitter, Facebook e Instagram. A Secretaria de Comunicação da Presidência negou a informação, argumentando que não gerencia essas contas.

A determinação de que contas de autoridades do governo em redes sociais são privadas não deveria depender de quem as gerencia, mas sim se são ou não usadas para compartilhar informações ou discutir assuntos de interesse público, disse a Human Rights Watch.

O presidente Bolsonaro tem utilizado suas redes sociais para fazer anúncios oficiais, como investimentos em infraestrutura e o aumento do salário-mínimo; para atacar seus adversários políticos; e para comentar sobre relações exteriores, como, por exemplo, quando parabenizou o novo primeiro-ministro israelense por sua eleição. Ele também responde a comentários de cidadãos sobre diversos assuntos, desde vacinas contra a Covid-19 a nomeações políticas.

O presidente Bolsonaro tem quase 7 milhões de seguidores no Twitter, 14 milhões no Facebook e mais de 18 milhões no Instagram.

Com a falta de transparência, é impossível saber o número total de pessoas bloqueadas. Em abril e junho, a Human Rights Watch no Brasil perguntou a usuários no Twitter, Facebook e Instagram se foram bloqueados pelo presidente Bolsonaro. Mais de 400 responderam que sim, a grande maioria no Twitter. Desses usuários, 176 forneceram capturas de tela que identificam suas contas, com o nome do usuário, e a mensagem indicando o bloqueio pela conta do presidente Bolsonaro.

A Human Rights Watch verificou cada uma das imagens e não encontrou sinais de que tenham sido adulteradas de forma maliciosa. Nenhuma conta seguia o Bolsonaro no Twitter, algo consistente com contas bloqueadas. A maioria das pessoas que enviaram as capturas de tela disse que foi bloqueada após comentários criticando o governo.

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A Human Rights Watch também pesquisou palavras-chave no Twitter para identificar outros usuários bloqueados e encontrou outras 38 pessoas com contas verificadas – ou seja, reconhecidas como autênticas e de interesse público pelo Twitter – que postaram que Bolsonaro as havia bloqueado.

A Human Rights Watch identificou 13 contas institucionais bloqueadas pelo presidente Bolsonaro: as contas no Twitter dos veículos de comunicação The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil, Aos Fatos, Diário do Centro do Mundo e O Antagonista, e duas contas no Instagram do site de notícias UOL; duas contas no Twitter do Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil; e as contas de Twitter no Brasil do Repórteres sem Fronteiras, Anistia Internacional e Human Rights Watch.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também realizou um levantamento e identificou 135 repórteres bloqueados por autoridades do governo, a maioria deles pelo presidente Bolsonaro. É possível que alguns jornalistas constem no levantamento das duas instituições.

A Human Rights Watch também fez pedidos de acesso à informação sobre o número de pessoas bloqueadas por membros do gabinete do presidente Bolsonaro. O ministro da Cidadania e o ministro da Casa Civil até julho de 2021 disseram que não bloquearam ninguém, enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão informou que bloqueou 28 pessoas, apenas no Twitter. Os outros ministros se recusaram a fornecer informações, dizendo que não tinham contas ou que estas eram privadas.

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República e os ministérios disseram ter bloqueado 182 pessoas nas contas institucionais. Os ministérios da Educação e da Justiça respondem por 85 por cento dos bloqueios.

O Congresso Nacional está considerando um projeto de lei que proibiria autoridades de alto escalão, eleitas e nomeadas, de bloquear seguidores nas contas de redes sociais que elas indiquem como sua conta oficial, mas não impediria bloqueios em outras contas que poderiam usar na condução de assuntos públicos.

Pelo menos seis casos questionando bloqueios do presidente Bolsonaro em redes sociais estão em análise no Supremo Tribunal Federal. Pelo menos dois dos onze ministros já emitiram seus votos em dois desses casos, considerando que a prática é discriminatória e infringe os direitos à informação e à liberdade de expressão. As decisões pelo plenário do Supremo ainda estão pendentes.

Tribunais de outros países decidiram que autoridades não podem bloquear pessoas nas contas utilizadas para assuntos oficiais somente porque esses seguidores expressaram uma crítica. Em um caso envolvendo o então presidente Donald Trump nos Estados Unidos, um tribunal de segunda instância decidiu em 2019 que a primeira emenda da Constituição dos EUA, que defende a liberdade de expressão, “não permite uma autoridade que utiliza uma conta em rede social para propósitos oficiais excluir pessoas de um diálogo on-line aberto porque expressaram pontos de vista com os quais essa autoridade discorda”.

Em uma ação movida por um jornalista, a Suprema Corte do México decidiu em 2019 que o procurador-geral do estado de Veracruz usava sua conta no Twitter para fornecer informações sobre seu trabalho enquanto servidor público e, portanto, deveria estar disponível “para todos os cidadãos”, particularmente para os jornalistas, que deveriam ter maior proteção para o acesso a informações de interesse público.

De acordo com o direito internacional dos direitos humanos, os governos são obrigados a proteger a liberdade de expressão, incluindo o direito de buscar, receber e transmitir informações de todos os tipos, online e offline, bem como o direito das pessoas de participar da condução de debates sobre assuntos de interesse público.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e outros tratados permitem restrições à liberdade de expressão apenas quando previstas em lei e forem estritamente necessárias e proporcionais para atingir um objetivo legítimo, incluindo a proteção dos direitos e da reputação de outros, ou a proteção da segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública, e não forem discriminatórias. O PIDCP e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos proíbem a discriminação com base em opinião política ou de outra natureza. Tanto a Assembleia Geral da ONU quanto o Conselho de Direitos Humanos declararam que os mesmos direitos que as pessoas têm offline, especialmente a liberdade de expressão, também devem ser protegidos online.

Além disso, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2000, afirma que “os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade”.

Com base nesses parâmetros, funcionários públicos de alto escalão, como o presidente Bolsonaro e seus ministros, deveriam ser capazes de excluir comentários de seguidores de rede social ou bloqueá-los somente em circunstâncias muito limitadas e estritamente definidas, que devem ser previstas em lei. Essas circunstâncias incluiriam situações em que as restrições são necessárias para proteger os direitos de uma pessoa a não discriminação ou segurança pessoal, como quando o conteúdo ou comportamento constitui assédio sexual ou incitamento à violência, ou quando os usuários publicam, com intenção maliciosa, informações privadas e que identificam uma pessoa.

Enquanto bloqueava veículos de imprensa e críticos em suas redes, o presidente Bolsonaro reclamava que as plataformas de rede social excluíram suas postagens ou de seus seguidores, alegando que são “cerceados” nas redes sociais. Em um discurso em maio, ele anunciou que preparava um decreto para resolver a situação. Uma minuta do decreto indica que o texto restringiria severamente a capacidade das plataformas de rede social de moderar conteúdo, como a remoção de informações incorretas e prejudiciais. Em 9 de agosto, o presidente Bolsonaro disse que apresentaria um projeto de lei – no lugar de um decreto – para proibir as plataformas de retirar conteúdo sem uma ordem judicial.

“O presidente Bolsonaro afirma que a liberdade de expressão dele e de seus seguidores é cerceada quando as plataformas excluem desinformação prejudicial e contas falsas, mas ele mesmo não pensa duas vezes antes de violar o direito ao acesso à informação e a liberdade de expressão das pessoas que discordam dele”, disse Canineu.

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