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Haiti: proteja mulheres e meninas na resposta ao terremoto

É preciso aprender com a experiência de 2010 e responder às necessidades dos grupos em risco

Moradores ajudam a equipe de resposta a desastres da Equipe Rubicon a descarregar suprimentos de um helicóptero do Exército dos EUA, no aeroporto, para levar ao hospital onde a equipe está tratando feridos no terremoto de magnitude 7,2 em Les Cayes, Haiti, quinta-feira, 19 de agosto de 2021. © 2021 AP Photo/Fernando Llano

(Washington DC) – O governo haitiano e doadores internacionais precisam levar em conta os aprendizados com as falhas em desastres anteriores para garantir que mulheres, meninas e outros grupos em maior situação de vulnerabilidade possam receber os cuidados de que necessitam durante a resposta ao terremoto de 14 de agosto de 2021, disse a Human Rights Watch hoje. A resposta humanitária deveria respeitar os princípios e padrões dos direitos humanos, incluindo a transparência, a prestação de contas, a participação e a não discriminação.

De acordo com as avaliações das Nações Unidas, o desastre de 14 de agosto afetou mais de 2 milhões de pessoas, matou mais de 2.000 e feriu mais de 12.000. Uma semana após o início dos esforços de resposta, o Ministério de Saúde Pública identificou demandas médicas significativas, incluindo por profissionais de saúde, medicamentos e suprimentos, e recursos financeiros e logísticos para realizar as operações. Ressaltou também a necessidade de abordar simultaneamente a resposta à Covid-19 na região.

“As necessidades médicas básicas são tão grandes que existe o risco de que o respeito aos direitos humanos seja visto como um capricho ou custoso, mas já percorremos esse caminho anteriormente, e isso deixou mulheres e meninas vulneráveis ​​à violência, ao abuso, e a mortes evitáveis​​”, disse Amanda Klasing, diretora adjunta de direitos das mulheres da Human Rights Watch. “Considerando o vasto conhecimento sobre o que deu errado, seria intolerável e desumano esquecer e ignorar mais uma vez os direitos humanos nos esforços para responder esse desastre.”

As investigações da Human Rights Watch em 2010 e 2011 demonstraram que a resposta humanitária ao terremoto de 2010 não incluiu medidas adequadas de segurança e saúde para reduzir o risco para mulheres e meninas. Em vez disso, os esforços falharam em atender às suas necessidades e direitos, incluindo os cuidados de saúde reprodutiva e materna. Em alguns casos, a falta de segurança alimentar e do enfoque de gênero na distribuição de ajuda levaram à fome, e algumas mulheres relataram a troca de sexo por comida. A falta de condições de segurança nos acampamentos exacerbou o impacto da violência sexual, ao mesmo tempo que era quase impossível obter atendimento após um estupro.

As áreas atingidas pelo terremoto de 14 de agosto já contam com poucas instalações médicas. A Organização Mundial da Saúde estima que 4 unidades de saúde foram destruídas e 32 danificadas. Milhares de feridos ainda precisam de atendimento imediato. Mulheres e meninas precisam de serviços contraceptivos e atendimento em caso de estupro, e grávidas precisam de cuidados pré-natais, obstétricos e de emergência obstétrica.

Este último desastre ocorre quase seis semanas após o assassinato do presidente Jovenel Moïse. Há uma preocupação na sociedade civil haitiana de que o desastre desviará a atenção dos importantes apelos por responsabilização e ampla participação na resolução da crise política. No entanto, as pressões significativas criadas pelo desastre tornam mais importante do que nunca para as autoridades haitianas – com o apoio da comunidade internacional e de um segmento diversificado da sociedade civil – adotar medidas que respeitem os direitos para ajudar a conter a violência, processar os responsáveis por abusos e resolver a crise institucional em curso.

Para evitar o risco de maior violência de gênero visto após o terremoto de 2010, o governo, doadores e agências humanitárias deveriam adotar estratégias de gênero claras nos seus esforços de ajuda. Eles deveriam desagregar todos os dados por gênero e outros grupos em situação de vulnerabilidade, ter métricas específicas de gênero e permitir a plena participação de mulheres e meninas na tomada de decisão e nos esforços de recuperação, disse a Human Rights Watch.

No curto prazo, as organizações que prestam serviços aos deslocados deveriam nomear imediatamente oficiais de proteção, separar os banheiros e os vestiários por gênero e garantir uma iluminação adequada. As autoridades deveriam estabelecer e divulgar amplamente os passos e encaminhamentos necessários, de forma clara e precisa, para as pessoas em risco ou vítimas de violência de gênero.

Após o terremoto de 2010, apenas US$ 118,4 milhões dos US$ 258 milhões prometidos à saúde foram desembolsados ​​em 18 meses, deixando lacunas devastadoras no atendimento às pessoas em maior situação de vulnerabilidade, incluindo mulheres e meninas grávidas. Os governos doadores não deveriam apenas apoiar o Haiti com promessas, mas também ser transparentes sobre quando e como o dinheiro será desembolsado e priorizar o financiamento da saúde para garantir que as organizações que prestam cuidados que salvam vidas tenham acesso imediato ao apoio.

A ajuda humanitária deveria ser distribuída de forma apolítica, sem discriminação e em conformidade com os princípios humanitários. Doadores e organizações humanitárias deveriam fornecer informações oportunas e claras sobre o desembolso de fundos e medidas sobre a prestação de serviços, desagregadas por gênero e outras condições de vulnerabilidade. Da mesma forma, o governo haitiano deveria fornecer relatórios transparentes sobre seus esforços de resposta e coordenação.

As agências de ajuda humanitária deveriam garantir que todos tenham acesso a informações sobre quais serviços estão disponíveis e onde, conectando-os com transporte e garantindo que nenhuma mulher ou menina seja rejeitada pelos serviços de saúde reprodutiva por não poder pagar. Os esforços de resposta ao terremoto deveriam incluir a oferta de equipamento de proteção individual adequado a todos os trabalhadores humanitários – internacionais e locais – bem como amplo acesso aos testes de Covid-19.

A avaliação sobre a atual situação de segurança alimentar não foi concluída. No entanto, as organizações da sociedade civil haitiana alertam que a insegurança alimentar é um risco significativo. A Organização Mundial da Saúde informou que está realizando uma avaliação sobre as condições de água e saneamento. Por décadas, a falta de acesso a água potável e saneamento afetou diretamente a saúde, a educação e até mesmo o risco de violência ou morte de mulheres e meninas no Haiti. A avaliação deveria incluir uma análise baseada em direitos sobre acesso e segurança e garantir que todos tenham água suficiente e limpa para combater a Covid-19, cólera e outras doenças transmissíveis.

A resposta ao terremoto de 2010 foi marcada por uma desastrosa falta de coordenação e de compartilhamento de dados entre doadores e organizações não governamentais que fornecem serviços de saúde. Observadores de direitos humanos e o governo haitiano não conseguiram avaliar o progresso no atendimento às necessidades de saúde. Desta vez, na maior medida do possível, os fundos deveriam ser entregues diretamente a organizações com sede no Haiti e lideradas por haitianos que têm vasta experiência e compromisso com o país. A ajuda que não tenha um enfoque de direitos não contribuirá para um sistema de saúde sustentável, com atenção às populações em situação de vulnerabilidade, como mulheres e meninas.

O governo, doadores e agências de ajuda humanitária deveriam trabalhar em estreita colaboração com as organizações locais de direitos humanos para adotar estratégias e abordagens que respeitem os princípios dos direitos humanos e que permitam que a sociedade civil monitore a recuperação, disse a Human Rights Watch.

“Os direitos dos haitianos precisam ser totalmente respeitados na resposta ao terremoto”, disse Klasing. “Os doadores precisam trabalhar com o governo e com as organizações não governamentais locais para garantir uma supervisão eficaz do processo e para que todas as pessoas possam acessar os serviços, a proteção e o respeito pelos direitos de que necessitam”.

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