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Argentina

Eventos de 2023

Apoiadores do candidato presidencial Javier Milei se reúnem em frente à sede de sua campanha depois que seu oponente, o ministro da Economia Sergio Massa, admitiu a derrota no segundo turno das eleições presidenciais, em Buenos Aires, Argentina, 19 de novembro de 2023.

© 2023 AP Photo/Matias Delacroix

A crise econômica de longa data da Argentina, que gerou níveis elevados de inflação e uma desvalorização acelerada do peso argentino em 2023, aumentou a pobreza e impediu a efetivação de direitos econômicos e sociais.

O governo promoveu um processo de impeachment politicamente motivado no Congresso contra os juízes da Corte Suprema, além de ter empregado uma retórica hostil contra o poder judiciário.

Há anos, o Congresso não consegue nomear um procurador-geral, um defensor-geral e um novo magistrado da Corte Suprema, os quais são importantes autoridades de direitos humanos que precisam de uma maioria qualificada de dois terços dos votos no Congresso para serem eleitas. O alto nível de polarização, que aumentou durante a campanha presidencial de 2023, contribuiu para o entrave no Congresso e para o enfraquecimento do Estado de Direito. 

Em novembro, Javier Milei venceu o então ministro da Economia, Sergio Massa, no segundo turno das eleições presidenciais. Como candidato, Milei prometeu diversos e severos cortes nos gastos públicos, questionou as mudanças climáticas, minimizou as violações sistemáticas de direitos humanos cometidas durante a última ditadura do país e criticou a descriminalização do aborto. Ele assumiu o cargo em 10 de dezembro, no 40º aniversário do retorno da Argentina à democracia.

 

Ameaças às Instituições Democráticas 

Em janeiro, o então presidente Alberto Fernández entrou com um pedido de impeachment no Congresso contra todos os quatro juízes da Corte Suprema. Uma comissão do Congresso dominada por legisladores pró-governo votou, em fevereiro, pelo iníciodo processo de impeachment, o qual, durante o mês de outubro, estava em fase de deliberação e convocação de testemunhas. Para a aprovação do impeachment, seria necessária uma maioria de dois terços na Câmara dos Deputados e, em seguida, no Senado. 

O processo concentra-se em três decisões: Uma de 2017, que abriu a porta para a libertação antecipada de pessoas condenadas por crimes contra a humanidade; outra de 2021, que fez com que a presidência da Corte Suprema se tornasse a presidência do Conselho do Judiciário, órgão que nomeia juízes federais; e outra, de 2022, que exige uma distribuição mais favorável de recursos para a Cidade de Buenos Aires, que é governada pela oposição.

O pedido de impeachment surgiu no contexto da retórica hostil de integrantes do alto escalão do governo em relação a juízes e promotores que proferiram decisões contra a gestão de Fernández ou que estavam investigando alegações de corrupção contra a então vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner.

Em setembro, senadores da base do governo e aliados prorrogaram o mandato de uma juíza que cuidava de uma investigação de corrupção contra a então vice-presidente. Alberto Fernández, presidente em exercício à época, aprovou a prorrogação. Ainda no mesmo mês, a Corte Suprema emitiu uma decisão de que o mandato da juíza havia terminado em agosto, quando ela completou 75 anos, e, portanto, não poderia ser prorrogado.

Há uma vaga na Corte Suprema desde 2021. A Constituição requer que o presidente indique uma candidatura, a qual, necessita ser confirmada pelo Senado, por meio de uma maioria de dois terços. O ex-presidente Fernández não indicou ninguém.

Em 2015, a Corte Suprema emitiu um parecer considerando os atrasos nas nomeações, os quais permitem que juízes temporários atuem por anos, algo que compromete a independência do Poder Judiciário. Em outubro, 282 cargos de juízes federais e nacionais permaneciam vagos. 

Um procurador-geral interino atua desde 2018, pois o Senado não consegue formar a maioria de dois terços necessária para uma nomeação. Em setembro, o procurador-geral interino queixou-se do “ambiente hostil” em seu trabalho, após ser alvo de dezenas de tentativas de destituição.  

O Congresso não consegue nomear um defensor público geral desde 2009, causando uma paralisia na Defensoria Pública, a qual deveria ser independente para investigar o governo federal no que tange a violações de direitos humanos. A Defensoria parou de funcionar normalmente quando um defensor adjunto, cujo mandato terminou em 2013, não foi sucedido.

 

Direitos Sociais e Econômicos 

Segundo o governo, a inflação anual foi de 138,3 por cento em setembro, com um aumento de 150,1 por cento nos preços dos alimentos e das bebidas não alcoólicas. O governo Fernández tentou, sem sucesso, desacelerar a inflação, inclusive por meio do controle de preços, congelamento de tarifas e bloqueio de exportações. 

Em junho de 2023, 40,1 por cento da população vivia em condição de pobreza, um aumento acentuado em relação aos 27,5 por cento em 2019 – antes da pandemia – de acordo com dados oficiais. Pessoas em situação de extrema pobreza – incapazes de satisfazer os elementos essenciais do direito à alimentação – representavam 9,3 por cento da população. Quase metade das crianças com menos de 14 anos de idade vivia em situação de pobreza e mais de uma em cada dez encontrava-se na pobreza extrema.

Em março de 2023, dados oficiais mostraram que 36,7 por cento da força de trabalho estava empregada no mercado informal, sem as proteções trabalhistas legais. Três em cada quatro trabalhadores domésticos, dos quais quase a totalidade é de mulheres e meninas, trabalham informalmente, segundo dados oficiais.

 

Condições dos Estabelecimentos Prisionais e Abusos das Forças de Segurança 

Nos últimos anos, o país testemunhou um aumento significativo de sua população carcerária, o que acabou superlotando as unidades prisionais em várias províncias. O governo informou que, em 2022, mais de 100.000 pessoas estavam em centros de detenção, um aumento de 77 por cento desde 2010, e mais de 12.000 pessoas estavam detidas em delegacias de polícia.

Em 2022, 41 por cento da população carcerária aguardavam julgamento, segundo dados oficiais. 

A Procuradoria Penitenciária da Nação informou que houve 316 denúncias de tortura ou maus-tratos em prisões federais em 2022 e 66 denúncias entre janeiro e março de 2023. A Procuradoria Geral reportou a morte de 43 pessoas detidas nas prisões federais durante 2022, incluindo 10 mortes violentas.

Em junho, as forças de segurança da província de Jujuy supostamente usaram força excessiva contra pessoas que protestavam por causa das reformas na constituição provincial, o que acabou ferindo várias pessoas. As emendas propostas incluem disposições que criminalizam os bloqueios nas estradas, contrariando as normas internacionais de direitos humanos sobre liberdade de expressão e associação.

Em julho, três policiais da Cidade de Buenos Aires foram condenados à prisão perpétua pelo assassinato, em 2021, de Lucas González, jovem de 17 anos de idade que foi baleado após sair de um treino de futebol. Outros cinco policiais receberam penas de quatro a seis anos de prisão por encobrirem o crime.

Em agosto, o fotojornalista Facundo Morales morreu após ter sido imobilizado no chão pela polícia durante uma manifestação na cidade de Buenos Aires. O prefeito alegou que Morales morreu de ataque cardíaco. Grupos de direitos humanos disseram que a polícia foi a responsável. Uma investigação sobre a morte estava em curso durante a redação deste relatório.

 

Liberdade de Expressão 

Em Rosário, na província de Santa Fé,relatos afirmam que grupos de crime organizado teriam ameaçado jornalistas e jogado explosivos em seus escritórios. A cidade tem enfrentado um aumento no número de homicídios e da violência relacionada ao tráfico de drogas.

Autoridades de alto escalão, incluindo o presidente e a vice-presidente em exercício na época, Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner, respectivamente, empregaram uma retórica hostil para estigmatizar os jornalistas e a mídia independentes, acusando-os equivocadamente de emitirem “notícias falsas”, “discurso de ódio” e “campanhas de difamação”.

Na província de Salta, os legisladores aprovaram uma lei que supostamente controlaria a disseminação de informações falsas, permitindo penas de prisão de até 25 dias para pessoas envolvidas na “criação e propagação de informações falsas com a intenção de induzir o medo”. Essas disposições vagas poderiam ser facilmente utilizadas para atingir jornalistas e críticos.

 

Direitos das Mulheres e Meninas 

Uma lei histórica de 2020 legalizou o aborto até a 14ª semana de gravidez, bem como abortos mais tardios em casos de estupro ou risco à vida ou à saúde da pessoa gestante. As autoridades registraram mais de 96.000 abortos legais em 2022. Os obstáculos ao aborto legal incluem a falta de acesso a informações sobre a legislação; o uso excessivo da “objeção de consciência”, o que permite que a equipe médica recuse o atendimento; além de atrasos indevidos e disparidade no acesso aos serviços entre as províncias.

Em uma decisão publicada em janeiro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a Argentina foi responsável pela morte de Cristina Brítez Arce, que faleceu em decorrência de uma parada cardíaca em 1992, quando teve seu parto induzido. A corte concluiu que Cristina não recebeu tratamento médico adequado, considerando os vários fatores de risco conhecidos em sua gravidez, nem teve informações adequadas sobre alternativas de tratamento. Ao denominar o tratamento recebido como “violência obstétrica”, a corte usou esse termo pela primeira vez.

Apesar da existência de uma lei de 2009 que detalha medidas abrangentes para evitar e julgar a violência contra mulheres, a impunidade dos casos de assassinato continua sendo uma questão grave. O Registro Nacional de Feminicídios relatou que, em 2022, houve 226 casos de feminicídios – o assassinato de mulheres e meninas com base em seu gênero – e apenas 4 condenações.

 

Meio ambiente, Povos Indígenas e Direitos 

A Constituição argentina protege a propriedade coletiva indígena relativa às terras tradicionais. Em 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que a Argentina aprovasse medidas legislativas para assegurar esse direito. O Congresso tem reiteradamente adiado a apreciação de uma lei que garanta essas proteções.

Em 2021, a Argentina ratificou o Acordo de Escazú, um acordo regional que visa proteger defensoras e defensores ambientais e garantir o acesso a informações sobre o meio ambiente e sobre a participação pública na tomada de decisões ambientais. Uma análise sobre a implementação do acordo, conduzida pelo governo em 2022, constatou que o ordenamento jurídico do país não garante a participação pública efetiva no manejo das florestas. Segundo a Global Forest Watch, a Argentina perdeu 231.000 hectares de florestas primárias em 2022, principalmente na região do Gran Chaco, que é rica em biodiversidade, sendo a pecuária e o cultivo de soja os principais fatores da transformação.

 

Julgamento de Abusos do Passado 

No início dos anos 2000, a Corte Suprema e os juízes federais anularam as leis de anistia e perdão que protegiam as autoridades envolvidas nos crimes da ditadura de 1976 a 1983. Em setembro, a Procuradoria Geral divulgou que 3.732 pessoas foram acusadas, 1.159 foram condenadas e 178 foram absolvidas de crimes contra a humanidade. O grande número de vítimas, suspeitos e casos torna difícil para promotores e juízes levarem os responsáveis à justiça de forma que respeite seus direitos ao devido processo legal. 

Até setembro, 133 pessoas ilegalmente separadas de seus genitores quando crianças durante a ditadura haviam sido identificadas e muitas delas já haviam se reencontrado com suas famílias, conforme relatado pelo grupo de direitos humanos Avós da Praça de Maio. 

Passados 29 anos do atentado a bomba no Centro Judaico Amia, que deixou 85 pessoas mortas e mais de 300 feridas, as disputas judiciais continuam. Ninguém foi condenado até o momento. Em fevereiro de 2019, um tribunal condenou um ex-chefe da inteligência e um juiz por interferência na investigação inicial, mas absolveu o ex-presidente Carlos Menem. Em setembro de 2023, um recurso contra a condenação do juiz continuava em tramitação. Em 2015, o promotor Alberto Nisman, que havia acusado a então presidente Cristina Kirchner de encobrir o papel do Irã no ataque, foi encontrado morto. Em 2018, um tribunal de segunda instância disse que realmente ele parecia ter sido assassinado. Enquanto este relatório estava sendo preparado, ninguém havia sido condenado com relação a sua morte.

Em 2021, um tribunal federal considerou improcedente a acusação de Nisman contra Cristina Kirchner, dizendo que as ações da ex-presidente não constituíam um crime. Em setembro de 2023, um tribunal de segunda instância reformou a decisão, determinando que Cristina Kirchner fosse a julgamento.

 

Principais Atores Internacionais e Política Externa 

Em 2022, o governo Fernández renegociou um programa de crédito com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no valor de US$ 44 bilhões. Em 2018, o governo do então presidente Mauricio Macri havia concordado com um programa de US$ 57 bilhões que, de acordo com o FMI, não atingiu seus objetivos. Até 2023, o Estado argentino e o FMI rediscutiram várias metas econômicas, incluindo déficit fiscal, gastos sociais e desvalorização da moeda.

Como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Argentina apoiou a análise dos registros em matéria de direitos humanos de vários países em 2023. O país também votou a favor de uma deliberação que prorrogava o mandato de um grupo de especialistas das Nações Unidas que estava investigando violações sistemáticas de direitos humanos na Nicarágua, de um grupo semelhante na Síria e dos relatores especiais para questões de direitos humanos na Rússia, no Irã e na Bielorrússia.

Ao longo do processo eleitoral na Guatemala, a Argentina manifestou sua preocupação com as tentativas de atores políticos e de várias instituições de interferir na eleição e instou o respeito à vontade do povo.

Em agosto, o Brics – um grupo de economias emergentes, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – convidou a Argentina a ingressar no bloco a partir de 2024, juntamente com outros cinco países. 

O Presidente Milei afirmou que se alinhará com Israel e os Estados Unidos. Durante sua campanha, ele disse que recusaria o convite para integrar o Brics e cortaria laços com a China e com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.